Muitos fatores levam à violência urbana nos grandes centros. Da mesma forma, diversos agentes podem atuar para reduzir esse problema, enfrentado em todo o mundo. Um deles é o transporte público. A relação está nos níveis de inclusão social, segundo Leonardo Agapito, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e membro do grupo de pesquisa Agricultura e Urbanização na América Latina da USP. “Se você olhar o mapa da desigualdade na cidade de São Paulo, você verá que, muitas vezes, em regiões com menor mobilidade urbana, há menos acesso à saúde, aos bens culturais da cidade, aos museus, às bibliotecas públicas, de teatro e cinema”, observa.
Na verdade, como mostra a edição 2022 do Mapa da Desigualdade de São Paulo, produzido pela Rede Nossa São Paulo, os bairros periféricos da capital paulista são os que mais sofrem com a falta de transporte público. É o caso, por exemplo, de Brasilândia, na zona norte, onde nenhum habitante mora a menos de 1 km de uma estação de metrô, trem ou monotrilho. O número revela uma realidade oposta à de bairros centrais com maior concentração de renda, como a Vila Mariana, na zona sul, que tem menos da metade da população da Brasilândia, mas onde 65% dos habitantes moram próximos. para estações desses sistemas de transporte. audiência de alta capacidade. Comparando os mesmos bairros, enquanto os moradores da Vila Mariana vivem, em média, até 78,3 anos, a expectativa de vida na Brasilândia é de apenas 62,8.
A distância entre os dois distritos, então, ultrapassa cerca de 18 km em linha reta e envolve um total de quase 16 anos. Essa distância, portanto, passa a ser não apenas física, mas social. “Com isso, você reduz as possibilidades de vida social das populações e impede que elas participem da vida social”, acrescenta o especialista.
Transporte público, de Marsilac a Medellín
Embora negligenciada em muitos aspectos, a Brasilândia está mais próxima da região central do que, por exemplo, Engenheiro Marsilac. Conhecido como o bairro esquecido de São Paulo, no extremo sul do município, o bairro lembra uma pequena cidade e tem a menor população de toda a metrópole: pouco mais de 8 mil pessoas. Se por um lado existe um certo sossego bucólico na região, cercada de matas e cachoeiras, a distância até o centro é de aproximadamente 52 km. Sem cinemas, teatros e uma vida noturna agitada, a solução é viajar, por vezes durante horas, até aos espaços culturais mais próximos. O Mapa da Desigualdade também traz outro dado importante: o distante Marsilac é um dos bairros com mais homicídios em São Paulo – são 11,8 por mil habitantes.
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Mas é possível mudar a realidade paulista. Na Colômbia, um caso notável relaciona inclusão social e baixa violência. Trata-se de Medellín, a segunda maior cidade do país, que teve 380 homicídios por 100 mil habitantes durante a década de 1990 e conseguiu reduzir o número para 13,9 no ano passado. Foi o menor número já registrado na metrópole, que tem pouco mais de 2,5 milhões de habitantes. A marca ficou ainda abaixo da média colombiana de homicídios. Por lá, um intenso trabalho de melhoria do transporte público é realizado desde 1995, quando foi inaugurada a primeira linha do Metrô.
Este meio de transporte foi lançado dois anos após a morte de Pablo Escobar, líder do Cartel de Medellín e um dos mais notórios traficantes de drogas de todos os tempos. Os números de zonas de guerra registrados anteriormente na cidade estavam ligados a atividades do crime organizado, entre outros conflitos históricos. Para mudar a reputação da região, os colombianos, de olho no turismo estrangeiro, investiram no transporte, como prova de que era uma cidade segura, que ligava algumas regiões da periferia aos bairros centrais e vice-versa.
“O teleférico foi criado principalmente porque o principal ponto turístico da cidade era o centro. Com os teleféricos, que são muito parecidos com os do Rio de Janeiro, você pode acessar novas áreas e, com isso, ampliar as regiões turísticas da cidade, como as comunas, a possibilidade de visitar os grafites dessas comunidades”, enfatiza Agapito, que apesar de comparar Medellín à Cidade Maravilhosa no turismo, vê uma semelhança maior, em termos gerais, com a capital paulista. “Gosto muito da comparação com Medellín, porque acho que a história é muito parecida com a da cidade de São Paulo, inclusive com a ocupação irregular de territórios periféricos”, completa.
Nem tudo são flores
A cidade colombiana é abastecida, além dos trilhos do Metrô, por uma integração de bondes, teleféricos, ônibus e vagas para bicicletas. Essa, para Fernando Velázquez, mestre em Engenharia de Transportes pela USP de São Carlos e diretor da empresa Smartvias Engenharia e Mobilidade, é uma questão fundamental para avaliar a qualidade do transporte. Segundo o profissional, “o transporte conversa muito com segurança. Portanto, a intermodalidade e a massificação do transporte público são importantes, porque acaba por tirar um número significativo de veículos da rua, reduzindo a exposição a acidentes, incidentes, etc. do transporte público, mas na integração entre eles”.
Porém, mesmo com intermodalidade e tendo sido eleita a cidade mais inovadora do mundo em 2013, em concurso realizado pela ONG americana Urban Land Institute, Medellín não é exemplo nenhum. Segundo o professor Agapito, a cidade ainda apresenta vários problemas, muitos deles comuns em solo brasileiro e até relacionados ao transporte, como engarrafamentos e segurança pública, o que comprova que apenas conectar uma cidade ajuda, mas não elimina completamente a violência urbana. Desta forma, é importante não colocar a metrópole do país vizinho como exemplo, mas como “uma cidade na qual precisamos dialogar para pensar alternativas sustentáveis”.