20 de novembro de 2024

Transporte público e meio-ambiente, como o HVO entra nesta equação

Com uma frota de quase 107 mil ônibus espalhados pelo país, com sua esmagadora maioria queimando óleo diesel, o transporte urbano de passageiros tem uma responsabilidade significativa no impacto ambiental de suas emissões.

Só a cidade de São Paulo, com seus 14 mil ônibus, consome 1,5 milhão de litros de diesel por dia, segundo dados do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanus).

Com estes números, confrontados com o compromisso de reduzir as emissões de CO2 em 50% em dez anos, a conta não fecha.

Assim, iniciativas que incluem o desenvolvimento de veículos eletrificados, combustíveis alternativos e a introdução de tecnologias que reduzem o consumo e as emissões são bem-vindas.

Entre estas soluções está o HVO (Hydrotreated Vegetable Oil ou Óleo Vegetal Hidrotratado). Biocombustível de segunda geração, o HVO é uma alternativa eficiente e econômica para as empresas e para o meio ambiente

Walter Barbosa, HVO

“Sabemos que o diesel, por sua tradição histórica e as grandes reservas existentes, é o combustível mais usado no Brasil e no mundo. Mas temos que investir em outras alternativas e o biocombustível de 2ª geração, como o HVO, é um caminho a ser percorrido e bastante interessante”, ressalta Walter Barbosa, diretor de vendas e marketing ônibus da Mercedes-Benz do Brasil.

Segundo o executivo, além da redução de emissões, o uso do HVO não exige nenhuma alteração na infraestrutura de abastecimento na garagem e nem na logística de distribuição do combustível. “Além disso, ele pode ser utilizado em qualquer veículo a diesel de qualquer norma de emissões. E considerando a legislação da cidade de São Paulo, há uma redução das emissões de CO2 (Dióxido de Carbono) proporcional à porcentagem de HVO, pelo fato de ser um combustível não fóssil”, diz Walter Barbosa.

“Vejo o uso do HVO como uma ponte até os ônibus elétricos nos grandes centros. E mais: esse biocombustível poderá ser uma solução também para ônibus de grandes distâncias rodoviárias”, conclui o executivo.

Desde fevereiro de 2016, a Mercedes-Benz na Alemanha, aprovou o HVO.

A montadora alemã avalizou o uso do HVO em motores de seis cilindros em linha do Mercedes-Benz OM 470, OM 471 (primeira geração) e OM 936, bem como as variantes de quatro cilindros em linha do OM 934 Padrão de emissões Euro 6. Os motores são projetados como padrão para utilizar o novo combustível HVO.

Já a Volvo Buses, desde 2015, aprova o uso do HVO em seus ônibus urbanos e interurbanos. Todas as motorizações estão aptas a receber o novo combustível sem a necessidade de qualquer adaptação.

Assim, quase todos os 14 mil ônibus da cidade de São Paulo estariam, em tese, aptos a operar com o novo combustível.

Erasmo Battistella

“São Paulo é uma cidade referência para o Brasil e para o mundo. Aqui é o lugar certo e agora é o momento para esse despertar do HVO no nosso país”, diz o empresário Erasmo Carlos Battistella, presidente da holding ECB Group. “Já temos uma grande expertise com o biodiesel, que atualmente é misturado em 11% ao diesel e chegará a B15 em 2023. Daí para frente podemos fazer outras misturas com redução ainda mais significativa das emissões, como 15% de biodiesel mais 5% de HVO, e assim por diante.”

Francisco Christovam, presidente do SPUrbanuss, afirma que existem a demanda por um biocombustível como o HVO e o interesse dos operadores do sistema paulistano no produto. “Para nós, a questão é quando vai haver disponibilidade de produto. Demanda e interesse já temos.”

Outro entusiasta do uso do diesel renovável, Henry Joseph, diretor técnico da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), considera o HVO uma “benesse” e seu uso em escala o “único meio de o Brasil atender ao Acordo de Paris”, que estabelece metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. “Para um país como o Brasil, com uso massivo de diesel, extensões enormes percorridas em rodovias, a eletrificação é muito difícil. Tira-se espaço da carga por causa das baterias, por exemplo, sem falar no custo de substituição da frota.”

Christian Wahnfried, coordenador de diesel/biodiesel da Associação dos Engenheiros Automotivos (AEA), reforça a confiabilidade do HVO ao citar dados técnicos como a redução de 65% em emissões, na comparação com o diesel fóssil, sem perda de potência nem poder calorífico e com menor consumo de produto.

Regulamentação

Da parte do governo brasileiro, espera-se que, até março próximo, sejam regulamentadas as especificações para o uso do HVO em território brasileiro. Ainda que um produto seja drop-in, isto é, pode substituir totalmente o diesel fóssil, por reproduzir suas propriedades físico-químicas, o diesel renovável precisa de normatização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para poder ser utilizado no Brasil – outro biocombustível avançado, o SPK (Synthetic Paraffinic Kerosene), ou querosene de aviação renovável, já foi regulamentado pela ANP.

O país já é rico em matéria-prima, como óleos vegetais e gordura animal, mas o capital para dar início a uma unidade dedicada à produção de diesel renovável é cinco ou seis vezes maior que uma usina de biodiesel e, portanto, o poder público tem papel preponderante para garantir o retorno do investimento.

Renato Godinho, chefe da divisão de energia renovável do Ministério das Relações Exteriores, declara ser uma satisfação ver o HVO tornar-se objeto de atenção no Brasil. “Minha função no Itamaraty é acompanhar esse debate no mundo e eu não entendia porque não se falava em HVO no Brasil, dado que os países que já usam HVO estão longe de ter o potencial de biomassa que nós temos”, compara.

De acordo com Ricardo Pinto, consultor sênior da Petrobras, a estatal chegou a produzir HVO ainda em 2008 e poderia ter produção em pequena escala em refinarias ociosas, mas ele pondera que é preciso ter novas unidades dedicadas para se produzir diesel renovável em volume suficiente para atender à demanda nacional.

Erasmo Battistella destacou o potencial do Brasil em se tornar referência mundial na produção e consumo de HVO e o pioneirismo que São Paulo pode ter com a substituição do diesel fóssil por um biocombustível menos poluente e tão eficiente quanto o derivado de petróleo.

O empresário está à frente do projeto Omega Green, primeira usina de biocombustíveis avançados do Hemisfério Sul, que deve iniciar a produção de HVO e SPK no Paraguai, em 2023. “O Brasil e os países vizinhos do Cone Sul, como Paraguai e Argentina, entre outros, podem formar uma Organização de Países Produtores e Exportadores de Biocombustíveis, uma OPEB, condizente com a economia de baixo carbono que o mundo busca neste século 21”, afirma Battistella.

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