Patrocinado por gigantes na corrida pelo desenvolvimento da tecnologia para veículos autônomos, como a Amazon Web Services (AWS), Waimo e Volkswagen, o Car Learning to Act (Carla) – plataforma que simula percursos virtuais com diferentes níveis de dificuldades e complexidades – foi o desafio internacional vencido pela equipe da Universidade de São Paulo (USP).
Após percorrer 6.582 quilômetros por mais de 5,7 mil horas, 69 carros autônomos dos melhores laboratórios de pesquisa do mundo percorreram rotas virtuais, encarando engarrafamento, chuva, placas de trânsito, semáforos, carros desavisados, pedestres incautos, além de outros imprevistos.
O desafio se desenvolveu de forma remota: os participantes da disputa programavam seus veículos diretamente de seus laboratórios de pesquisa, espalhados por vários locais do planeta e enviavam os códigos para computadores que processavam essas informações.
Automaticamente, a plataforma de simulação verificava como cada veículo tinha se comportado e computava os pontos obtidos. Nesse rally virtual, não é quem anda mais rápido que se torna campeão, mas quem comete o menor número de infrações e acumula mais pontos.
A tecnologia para veículos autônomos da USP, criada por seis alunos de pós-graduação e dois professores, obteve o melhor desempenho em três das quatro categorias do Desafio de Direção Autônoma Carla.
O time ainda conseguiu o segundo lugar na única categoria que não venceu e conquistou um prêmio total de US$ 17 mil.
“A principal motivação dos pesquisadores em direção autônoma é promover segurança. A ideia é, no futuro, ter um nível de automação em que os veículos autônomos sejam capazes de alcançar resultados melhores do que um ser humano”, explica Júnior Rodrigues da Silva, doutorando do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP e um dos membros da equipe campeã.
Júnior Rodrigues ressalta que, para se tornarem mais competentes que os humanos, os veículos autônomos têm uma longa estrada pela frente. Daí a relevância de participar de desafios de simulação, que possibilitem às máquinas passarem por situações muito próximas às que os motoristas vivenciam no mundo real.
“Essa primeira edição da competição, ajudou a identificar em que patamar estão os trabalhos na área e como os pesquisadores lidam com os principais dilemas nesse campo de pesquisa. A ideia é que a disputa aconteça anualmente para que os cientistas acompanhem a evolução dos estudos”, conta o mestrando Iago Pachêco Gomes.
“As estatísticas produzidas durante a competição servem para instigar as equipes a melhorarem seus sistemas. Por exemplo, nenhum time conseguiu, sem cometer qualquer infração, cumprir o trajeto com menor nível de dificuldade”, completa.
Reduzindo as incertezas
A tecnologia para veículos autônomos da USP busca avaliar os diversos processos que ocorrem nos poucos segundos em que um motorista capta os dados do cenário à frente – por meio dos órgãos de percepção que propiciam, por exemplo, ver e ouvir. A seguir, o condutor deve interpretar essas informações, analisar as opções de que dispõe e tomar, finalmente, uma decisão. Só então, caso necessário, os músculos serão movimentados e vão acionar os dispositivos do carro para desviar ou colidir com o animal.
Agora, imagine quanto trabalho demanda transformar todos esses processos em um passo a passo (algoritmos) a ser executado rapidamente por um computador.
“Se você está a 50 quilômetros por hora e vê uma placa com a indicação de 30 quilômetros por hora, precisa interpretar essa informação e, a seguir, tomar a decisão de reduzir a velocidade. No caso do carro autônomo, a nossa função é programá-lo para que, a partir dos dados provenientes dos sensores, as informações do ambiente sejam interpretadas adequadamente e as decisões possam ser tomadas”, explica Júnior.
“Como um carro autônomo vai agir ao se deparar com uma situação muito inusitada como, por exemplo, um cachorro que surge de repente na pista depois de sair detrás de uma árvore?”, questiona Júnior. Cenários inesperados como esses, que acontecem frequentemente na vida real, estão entre os obstáculos encontrados pelos pesquisadores da área.
Esse tipo de situação é desafiadora até mesmo para os seres humanos: muitas vezes, desviar do cão implicará atropelar uma criança que está do outro lado da rua ou até mesmo causar um acidente grave e colocar em risco a vida de muitas pessoas.
Por isso, a qualidade do sistema de percepção e de tomada de decisão – desenvolvidos a partir de ferramentas da área de inteligência artificial – é fundamental. Só depois de realizados os processos de percepção, interpretação e tomada de decisão, o carro autônomo de fato partirá para a ação e, caso necessário, serão acionados dispositivos como volante, acelerador e freio.
A tecnologia para veículos autônomos da USP é resultado de um trabalho que vem sendo realizado desde 2010 no Laboratório de Robótica Móvel do ICMC. Responsável por promover o primeiro teste de carro autônomo em vias públicas da América Latina em 2013, o laboratório também criou um caminhão autônomo em parceria com a Scania em 2015.
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