Diz-se que os bons exemplos devem ser seguidos. Pois é isso que as empresas do setor de transporte coletivo começaram a fazer. Impactadas pelos aplicativos de transporte individual e de compartilhamento de viagens, que atraíram boa parte de seus passageiros e abocanharam parcela significativa de suas receitas, as empresas de ônibus decidiram seguir o exemplo e usar estratégias semelhantes com a criação de apps de compartilhamento para ônibus e serviços inovadores na tentativa de recuperar os clientes perdidos e atrair novos passageiros para o transporte coletivo.
De abril do ano passado para abril deste ano, o sistema nacional de transporte por ônibus perdeu 12,5 milhões de passageiros, ou cerca de 4,3% do total. “Continuamos em nível de queda e não sabemos onde vamos parar”, alerta Otávio da Cunha Filho, presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). Segundo ele, a crise aponta duas direções para o setor: melhorar a qualidade do serviço e inovar na forma de transportar e tratar o cliente. Aliás, um dos pontos mais enfatizados, na semana passada, durante a 33ª edição do Seminário Nacional da NTU, em Brasília (DF), foi a importância de parar de tratar o passageiro por “usuário” e começar a chamá-lo de “cliente”, com todas as conotações que esse substantivo merece.
Entre essas inovações estão os apps de compartilhamento para ônibus que surgem na esteira do modelo Uber, só que voltados para o transporte público coletivo. A capital Goiânia (GO) já colhe bons resultados do chamado CityBus, um serviço de transporte sob demanda que começou em fevereiro, feito por veículos Mercedes-Benz Sprinters, de 15 lugares, por meio do aplicativo CityBus 2.0. O pagamento pode ser feito em dinheiro ou cartão de crédito e as tarifas são variáveis, a partir de R$ 2,50.
Outro exemplo de apps de compartilhamento para ônibus no setor é o UBus, uma plataforma de tecnologia para o transporte coletivo implantada como um sistema piloto no município de São Bernardo do Campo (SP). O passageiro baixa o aplicativo, escolhe a rota com base na origem e destino e pode agendar horário e reservar assento. O pagamento pode ser feito por cartões de crédito ou débito. Segundo Milena Romano, CEO da UBus, é fundamental nesse tipo de transporte a integração das rotas com o serviço público tradicional e que a operação seja feita por empresas de transporte regulamentadas, para evitar os riscos da clandestinidade. Uma das vantagens é a rapidez já que as vans cadastradas no aplicativo podem circular pelas faixas exclusivas de ônibus.
Há também ações para cativar o cliente do ônibus, como o Ecobonuz, um programa de fidelidade focado no transporte coletivo em que o passageiro pode acumular pontos cada vez que usa seu cartão de transporte e depois trocar essa pontuação por diferentes benefícios. O sistema foi implantado em parceria com empresas de ônibus de algumas cidades mineiras, entre elas Coronel Fabriciano, Ipatinga e Varginha. O aplicativo é gratuito.
Infraestrutura
Além de melhorar a qualidade do serviço para estancar a queda no número de passageiros, que nos últimos quatro anos teve retração de 25,9%, Cunha Filho destaca a necessidade da execução de obras estruturais que viabilizem a circulação segura dos ônibus e de maneira mais ágil. Desde o ano passado apenas três novos projetos foram consolidados no sistema, sendo um corredor de BRT (Bus Rapid Transit) em Niterói (RJ), uma faixa exclusiva para ônibus também em Niterói e uma faixa exclusiva em Curitiba (PR). “Nós temos 248 projetos engavetados, paralisados, incluindo sistemas de BRT, corredores e faixas seletivas”, ressalta o executivo. Ele diz que os municípios estão sem capacidade de endividamento. “Alguns municípios tomaram esses recursos inicialmente e depois não deram conta de amortizar os valores já recebidos. A má aplicação dos recursos públicos é a tônica disso”, declara.
Há também a falta de pessoal qualificado nos municípios para organizar os sistemas de transporte coletivo. “A faixa exclusiva é barata e mesmo assim eles não fazem, acredito que seja despreparo dos órgãos locais”, afirma.
Por isso mesmo, o Seminário Nacional da NTU deste ano escolheu o tema “Inovação e reinvenção: o futuro de transporte público na perspectiva da sociedade”. O setor formatou um documento com o mote “Construindo hoje o amanhã – propostas para o transporte público no Brasil” que reúne cinco metas para ações de governos na área de mobilidade para tentar recuperar a demanda perdida. “Vamos ter que nos reinventar com flexibilidade para ajustar a oferta e o preço de acordo com a maneira que se locomove hoje nas cidades”, diz Cunha Filho.
Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), que participou da primeira parte do seminário, assinalou que o planejamento das cidades foi “distorcido” porque priorizou o transporte individual, o que contribuiu para se chegar aos problemas que existem hoje no transporte público.
Outra ação desenvolvida pela NTU para inovar no setor foi o lançamento do “Coletivo”, um programa de inovação em mobilidade urbana para startups, empresas inovadoras e pequenos empreendedores apresentarem projetos com soluções criativas para a área de mobilidade. As propostas envolveram novos modelos de negócio e tecnologias para sistemas de informação aos passageiros, meios de pagamento, monitoramento de frota e outros pontos ligados ao transporte coletivo.
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