25 de novembro de 2024

Mobilidade e justiça climática estão intimamente relacionadas

Justiça climática

A 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP-27) reuniu lideranças do mundo inteiro para discutir desafios, soluções e acordos para mitigar os efeitos da emergência climática globalmente. Entre os assuntos em destaque, está a necessidade de reduzir os impactos desiguais das mudanças do clima sobre as populações mais pobres e mais vulneráveis.

Quando pensamos no tema, é inevitável a ideia de que toda a população mundial sentirá de forma semelhante o aumento da temperatura global. É verdade que vivendo neste planeta – que já bate a marca de 8 bilhões de habitantes – todos serão atingidos em algum nível. Mas será que essas adversidades alcançarão a todas as pessoas na mesma intensidade? A resposta é não. 

Em seu discurso na COP-27, o presidente eleito, Lula, destacou que “a emergência climática afeta a todos, embora seus efeitos recaiam com maior intensidade sobre os mais vulneráveis. A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para redução das mudanças climáticas: o 1% mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite das emissões de gás carbônico necessário para evitar que aumento da temperatura global ultrapasse a meta de um grau e meio centígrado até 2030.” O aumento de temperatura é o pactuado no Acordo de Paris (1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais). De acordo com Eco House Global, ainda que os países cumprissem suas metas, é possível conter aquecimento entre 1,8ºC e 2,4ºC, contudo, com o não cumprimento, o aumento pode chegar a 3,6 °C. 

Frear as emissões é necessário para assegurar a permanência da vida humana, e para isso, além de toda preocupação necessária com o desmatamento das nossas florestas,

Repensar a mobilidade urbana é fundamental para garantir a mitigação dos danos climáticos. 

Como a mobilidade urbana contribui para as mudanças climáticas?

No Brasil, atualmente, as principais causas de emissões de gases de efeito estufa (GEE) são ligadas ao uso do solo, agropecuária e energia. O transporte é o principal emissor no setor de energia, somando 46,9% do total.

A queima promovida pela combustão de combustíveis fósseis – como a gasolina – é responsável pela emissão de GEE e poluentes locais altamente prejudicais para a saúde. No Brasil, os veículos com motores a combustão são a maioria, correspondendo a mais de 52% do total da frota.

Em áreas urbanas, o setor de transportes pode ser considerado um dos grandes vilões em termos de emissões. Em cidades como o Rio de Janeiro, o setor é a maior fonte de emissão de CO2eq, com participação de mais de 40%. Já no município de São Paulo, responde por aproximadamente 61% das emissões acumuladas entre os anos de 2010 e 2018. 

Nesse contexto, repensar o padrão de mobilidade nas cidades é uma necessidade frente aos desafios climáticos que se agravam a cada ano. 

O que é justiça climática?

Os efeitos do aumento na temperatura global afetam majoritariamente populações mais vulnerabilizadas, que dispõem de menos recursos de adaptação para eventos climáticos extremos e estão mais suscetíveis às tragédias ambientais, como secas e enchentes. É nesse contexto de desigualdade que nasce a ideia de justiça climática. O termo surgiu em um manifesto chamadoGreenHouse Gangsters vs Climate Justice que, em 1999, denunciou a indústria petrolífera na geração de poluentes atmosféricos. A justiça climática visa a garantia dos direitos dos grupos vulneráveis, bem como uma distribuição equitativa do ônus climático. 

Quem precisa de justiça climática?

Estudos que avaliam diferentes formas de opressão, que se relacionam com a justiça climática de maneira interseccional, observam que a crise climática compõe mais um eixo de opressão e apontam que mulheres e meninas do sul global tendem a ser um dos grupos mais atingidos. Discutir esse tema atravessa as discussões sobre gênero, raça, região de residência entre outros marcadores sociais. Em outras palavras, populações negras, periféricas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas e, sobretudo, mulheres sofrem e sofrerão mais com a crise climática, ainda que suas participações para a poluição atmosférica sejam mínimas.

O Brasil, assim como o mundo, já sente as consequências desse processo. No que tange a mobilidade urbana, populações vulneráveis estão mais suscetíveis às mazelas do padrão de deslocamentos. As áreas periféricas usualmente contam com menor cobertura verde, o que reduz a capacidade de captação de CO2eq. Aumentado a exposição dessas áreas e seus residentes aos malefícios dos gases emitidos pelo setor de transportes.

Mulheres também são mais afetadas pelas emissões do setor. Em São Paulo, elas são maioria no transporte público e gastam mais tempo em suas viagens, ficando mais expostas aos gases poluentes – altamente nocivos para a saúde. Já as mulheres negras compõem um dos grupos mais excluídos do setor, pois também estão mais suscetíveis à escassez do transporte, exclusão social e violência em seus trajetos. Ao considerarmos o indicador renda, as mulheres com menores rendimentos tendem a ser mais dependentes da mobilidade ativa e do transporte público coletivo, modos que historicamente recebem menos investimentos públicos.

Soluções de mobilidade para mitigar as mudanças no clima

Democratizar a mobilidade urbana demanda ações que tornem os deslocamentos mais inclusivos para mulheres, pessoas negras e populações de menor renda. Essa mudança deve ser desenvolvida não somente a partir de medidas na operação dos transportes em si, mas também na ampliação da representatividade desses grupos nas esferas de decisão e gestão. O orçamento público dedicado a agenda também deve ser assegurado. Ações neste sentido aproximarão as políticas desenvolvidas das reais necessidades dos grupos até hoje mais invisibilizados nos sistemas de mobilidade. 

Medidas necessárias para tornar os sistemas de transporte e a mobilidade, de forma ampla, menos impactante para o meio ambiente e para as pessoas são: 

  • Facilitar e garantir o acesso às atividades de educação, trabalho, saúde e lazer para toda população;
  • Ampliar a qualidade do transporte público;
  • Eletrificar a frota de ônibus, com valores tarifários acessíveis e oferta condizente com a demanda;
  • Tornar a cidade acessível por modos ativos para contribuir com a redução de emissões do setor e aumento da inclusão, especialmente de populações com padrões de deslocamento que fogem do padrão “da casa ao trabalho”. 

Frente aos compromissos já assumidos pela nova gestão federal, os municípios devem vislumbrar oportunidades e propor avanços na agenda da mobilidade sustentável e socialmente justa. Um dos projetos que vem ganhando cada vez mais projeção é a criação de um Sistema Único de Mobilidade (SUM), que trata de um sistema que realize a gestão da mobilidade integrando as esferas federal, estadual e municipal e tendo como diretriz a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Dentro dessa proposta, são discutidas estratégias para redução do valor da tarifa cobrada aos usuários, um dos principais fatores de exclusão social imposto no sistema e, consecutivamente, para a realização das atividades.  

Cidades mais sustentáveis dependem de sistemas de mobilidades eficientes, ambientalmente amigáveis e socialmente inclusivos. Em um país no qual a população urbana já alcança 85%, as cidades têm um papel decisivo na mitigação dos efeitos da crise climática, e, sobretudo, na inclusão de grupos excluídos e negligenciados.  

Fonte: ITDP Brasil