Assim como empresas de outros segmentos da economia, as operadoras do transporte público nacional tentam equilibrar sua perda de receita derivada do isolamento domiciliar da população em decorrência da Covid-19. O número de passageiros que usam o transporte municipal por ônibus caiu cerca de 80%, de 37 a 38 milhões de pessoas por dia, para perto de 5 milhões de usuários/dia.
Segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbanos (NTU), com o impacto do coronavírus, 183 cidades já foram obrigadas a paralisar totalmente o transporte coletivo por decisão do poder público, entre elas 176 municípios do Estado de Santa Catarina; Foz do Iguaçu, no Paraná; Jaboticabal e Marília, em São Paulo; Araguaína, no Mato Grosso; Camaquã e Nova Pádua, no Rio Grande do Sul; e João Pessoa, na Paraíba. Apenas 55 mil ônibus estão rodando no país, de uma frota nacional composta por quase 110 mil ônibus. “As empresas, hoje, estão operando com redução de mais de 50% dos passageiros, em média, desde o início das medidas de isolamento social e isso afetou drasticamente a receita do setor”, afirma Otávio Cunha, presidente-executivo da NTU. Entre as cidades mais impactadas estão Goiânia (GO), com redução de 85%; Porto Alegre (RS), com menos 79%; Salvador (BA), com retração de 75%; Região Metropolitana de Belo Horizonte, com queda de 70%; e algumas cidades do interior de São Paulo, que apresentaram uma redução de 75%.
Com isso,a receita de alguns municípios teria caído em até 80%, conforme levantamento da NTU, e isso pode trazer sérias consequências a curto prazo. “A tarifa é único instrumento que financia o serviço e vai faltar recursos, a curto prazo, para mão de obra e combustível. Se somarmos esses dois custos, eles representam 73% do custo do transporte”, alerta Cunha.
Créditos eletrônicos poderiam evitar paralisação
O risco dessa falta de recursos no caixa das operadoras está projetado para o próximo dia 6, que é o quinto dia útil do mês de abril, quando os salários deverão ser pagos. Há o temor de que as empresas não consigam cumprir a folha de pagamento dos colaboradores.
Para contornar essa redução de receita, os empresários encaminharam um pleito a autoridades do Ministério da Economia com uma proposta para minimizar o problema. De acordo com Cunha, as empresas propõem que o Governo Federal compre
créditos eletrônicos de transporte (passagens) para serem distribuídos pelo próprio governo em seus programas sociais. “Sugerimos que o Governo Federal, ao invés de dar o dinheiro para folha de pagamento e combustível, compre crédito eletrônico antecipado. De posse desse crédito, o próprio governo pode distribuir eletronicamente para aqueles cidadãos que já estão inscritos no sistema de bilhetagem de cada cidade”, explica o executivo. Aquele cidadão que já possui o cartão de bilhetagem eletrônica poderia receber o benefício imediatamente e os demais teriam que fazer o cadastramento. Ele assinala que todas as cidades brasileiras com transporte público organizado têm algum organismo local que vende os bilhetes eletrônicos; em algumas cidades é o poder público, como é o caso de Brasília, São Paulo e Curitiba, e nas demais há os sindicatos das empresas de transporte ou podem ser empresas constituídas para essa operação de vendas de créditos eletrônicos para transporte público.
“Nesse caso, o Governo Federal compra um serviço antecipado, há a emissão da nota fiscal eletrônica, um documento que garante que esse recurso foi destinado para esse transporte social de emergência que estaria sendo criado agora”, assegura Cunha. Passada a crise, para não sobrecarregar o sistema de transporte normalizado, os créditos seriam utilizados ao longo de 12 meses após cada compra, sem perder a validade.
Neste momento, de acordo com Cunha, o setor está em tratativas com o Governo Federal, esperando que isso seja discutido e homologado. “A expectativa é de que a decisão seja rápida, sob pena de o sistema entrar em colapso porque, de acordo com as condições financeiras de cada cidade, o setor não tem suporte para manter o serviço exigido.” Ele afirma que o setor disponibilizou para o governo todas as informações solicitadas de custos, receitas e salientou que esses dados podem ser acompanhados em tempo real pelas secretarias municipais de mobilidade. Isto porque, nas cidades que já têm o transporte público organizado, a bilhetagem eletrônica permite que o poder público acompanhe se todas as ordens de serviços estão sendo executadas corretamente, confira o número de viagens realizadas e verifique a arrecadação que pode ser calculada pela movimentação. “Isso pode ser estratificado em tempo real, por tipo de usuário, incluindo estudantes com desconto de passagem, idosos com gratuidade e assim sucessivamente”, relata Cunha.
A conta feita pelos empresários é a seguinte: como a demanda caiu de 75 a 80% em algumas cidades, é preciso estabelecer uma oferta mínima de serviço para compensar a redução da receita com as passagens, que, na média está em 30%. O Governo Federal complementaria a diferença de 70% com a compra de créditos, o que daria cerca de R$ 2,5 bilhões mensais para manter o serviço em funcionamento nos 2.901 municípios que dispõe de transporte coletivo por ônibus.
“Precisamos de serenidade e paciência para superar esse momento. Mas, se agora temos uma preocupação enorme com a saúde, teremos, em seguida, uma preocupação muito grande com a parte econômica, porque via faltar dinheiro”, alerta Otávio Cunha. “Com essa proposta mostramos ao governo que nossa reivindicação é nossa preocupação com a manutenção do ritmo de um serviço essencial para população”, diz.
“O transporte urbano mexe com todos os cidadãos brasileiros, com os que mais precisam e não têm alternativa para se deslocarem. Esperamos que os governos estadual, municipal e federal juntem-se para resolver o problema”, ressalta Cunha, acrescentando que o setor não tem capacidade de endividamento parta tomar capital de giro no sistema bancário.
Ele destaca ainda o Decreto 10.282, recém-aprovado, em 29 de março, que faz parte da Lei Emergencial que trata do combate à crise e serviços essenciais e estabelece a responsabilidade da União de intervir para garantir a regularidade e o funcionamento do serviço, da maneira que achar que deve. “Essa ajuda que estamos pedindo não é nada mais do que a Lei de Emergência estabelece”, enfatiza Cunha.
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