A produção do primeiro ônibus autônomo no Brasil ganhou contornos mais nítidos. Na semana passada, o presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Vieira da Cunha Filho, anunciou que um empresário operador de transporte público, cujo nome não foi revelado, vai disponibilizar um ônibus de sua frota, por cerca de um ano, para receber a tecnologia de direção autônoma desenvolvida pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
“É um software totalmente nacional, vamos prestigiar a ciência e a pesquisa do Brasil. Quem sabe no prazo de um ano já comecemos a fazer as primeiras experiências com esse ônibus autônomo. É importante buscarmos novas tecnologias para conseguirmos ofertar um serviço de melhor qualidade, com um custo efetivamente mais barato”, declarou Cunha Filho, durante o Seminário Nacional da NTU, realizado na semana passada, em São Paulo.
A NTU apoia institucionalmente o trabalho do veículo autônomo da Ufes, que expôs seu primeiro automóvel com a nova tecnologia, desenvolvido 100% no país, durante a feira Transpúblico, que aconteceu paralelamente ao seminário.
Segundo Luiz Eduardo Lozer, diretor da Geocontrol, empresa de tecnologia que atua nas áreas de mobilidade urbana, transporte, defesa nacional e segurança e que está investindo nessa tecnologia, a ideia é trabalhar com um ônibus de 11 metros de comprimento. Ele faz a ressalva que ainda não foi efetivamente assinado o contrato com as empresas operadoras – talvez mais de uma participe do projeto – e com o fabricante de chassi, e que por esse motivo os nomes ainda não podem ser revelados.
“O que buscamos é a transferência da tecnologia desse carro autônomo para um ônibus e isso requer um investimento”, diz Lozer. Serão necessárias várias adaptações. O que muda no salto do automóvel para o ônibus é que por ser um veículo maior, ele precisa de mais sensores, tem ponto cego, o chassi tem que ter transmissão automática, direção elétrica, é preciso sincronizar o abrir e fechar das portas e programar para que ele encoste perto das estações.
“A inteligência é a mesma, mas no ônibus a interface com o usuário tem que ser trabalhada”, comenta Lucas Thom Ramos, ex-aluno da Ufes que participou do projeto de desenvolvimento do carro autônomo e que hoje é CIO da Motora. Essa empresa lançou comercialmente no mercado o DriverAnalytics, uma solução derivada desse projeto, que analisa o comportamento de motoristas, baseada em imagens e telemetria, e que tem como objetivo aumentar a segurança e a eficiência da frota. É um software com câmera que consegue interpretar as imagens, saber se o motorista está tendo uma condução segura ou não, se está fazendo um cruzamento em faixa contínua e se está mantendo uma distância segura do veículo à frente. “Isso é subproduto do carro autônomo”, comenta Ramos.
Etios autônomo
Uma outra novidade na direção autônoma está a caminho. Segundo Ramos, a Motora e a Geocontrol já estão trabalhando para transformar um Etios, modelo de automóvel popular da Toyota, em um veículo autônomo, nos moldes do desenvolvido junto à Ufes.
Ramos conta que a ideia do Iara (Intelligent Autonomous Robotic Automobile), como foi apelidado o veículo da Ufes, surgiu a partir de uma pesquisa na universidade para entender como o cérebro humano funciona na computação e uma das coisas que viabilizaram o entendimento da visão computacional foi a construção de um carro autônomo, em 2009. O primeiro desafio do Iara foi dar uma volta no anel viário da própria universidade, em 2014.
Este maio deste ano, o Iara cumpriu a segunda meta do projeto e viajou 74 quilômetros, de Vitória a Guarapari (ES) de forma autônoma, atravessando três municípios, sem nenhuma intervenção humana.
E o que mais inspirou o grupo a agora implantar a tecnologia em um ônibus foi uma recente experiência do carro em São Paulo. O Iara deu uma volta completa, de forma totalmente autônoma, no corredor de ônibus BRT Tiradentes, na capital paulista.
“O carro já consegue dirigir autonomamente, identificando sinais de trânsito, sinalização de semáforo (sinal vermelho), desviar de obstáculos, reduzir velocidade respeitando o limite de velocidade, fazendo tanto a leitura de placas de trânsito na via quanto respeitando as marcações de trajeto”, ressalta Ramos.
De acordo com Alberto Ferreira de Souza, professor da Ufes, a ideia da Motora e da Geocontrol de usar essa tecnologia para construir ônibus autônomos poderá beneficiar a mobilidade urbana em vários aspectos: pode proporcionar maior conforto porque vai ter um padrão de aceleração e frenagem muito mais agradável, mais semelhante ao ritmo de um trem; vai ser mais um modal mais seguro; e também será mais econômico, seja em termos de combustível ou de energia elétrica, caso use motorização elétrica.
“Nosso papel de universidade é produzir ciência, tecnologia e inovação e tentar transferir tudo isso para a sociedade. A Motora é formada por ex-alunos que estão tentando pegar o que aprenderam na universidade e fazer produtos para a sociedade, gerando emprego e renda”, comenta o professor da Ufes.
Na avaliação de Souza, a tecnologia usada no carro autônomo brasileiro está entre as mais avançadas do mundo. ““Temos uma ilha de excelência em veículos autônomos que não deixa nada a dever a nenhuma outra ilha equivalente no mundo”, afirma Souza. Ele destaca que o Iara é da Ufes e é importante mostrar que a universidade pública gratuita no Brasil é capaz de dar respostas dentro de um padrão mundial.
Ele classifica os veículos autônomos em três diferentes estágios. “O mais simples de todos é o que basicamente segue uma linha no chão e olha se não vai bater em alguma coisa. O outro extremo é o usado pela Google, que é totalmente autônomo, vê pessoas, vê trafego, vê o chão, ele constrói uma realidade do mundo na máquina, e esta vê e reage a essas coisas. E tem um tipo intermediário, que é o da Tesla, que foi a primeira a comercializar veículos autônomos de fato, que depende das faixas contínuas no chão, se elas estiverem bem pintadas ele consegue operar autonomamente, mas essa tecnologia ainda não cuida de semáforo. A nossa tecnologia está perto daquela da Google: o carro vê o mundo em 360 graus, consegue reconhecer tudo o que tem de móvel e fixo no ambiente e reage a tudo isso de forma autônoma e inteligente”, explica Souza.
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