25 de novembro de 2024

O dilema alemão entre carbono zero e os interesses da indústria

A Alemanha, sede de algumas das maiores montadoras do mundo, incluindo BMW, Mercedes-Benz, Audi e Volkswagen, vive o dilema de apoiar políticas climáticas ambiciosas ao mesmo tempo em que defende os interesses de um poderoso setor que mantém sua economia funcionando.

Os carros poluentes deixarão de ser vendidos na Europa a partir de 2035. A nova regulamentação foi aprovada no final de março, pela União Europeia (UE), que busca a neutralidade de carbono até 2050. Mas não colocará um fim nos motores a combustão. 

Isto porque o país entrou com recurso para que os propulsores abastecidos com e-combustíveis (ou gasolina sintética) também pudessem continuar à venda a partir desse período sob a alegação de que seu processo produtivo contribui na descarbonização e já existem marcas com sede nos países do bloco econômico desenvolvendo a tecnologia.

Ocorre que a realidade pode não ser bem esta. Estudos indicam que a queima desses combustíveis produzidos pelo homem, libera quantidades semelhantes de emissões de aquecimento do planeta e poluentes atmosféricos como o uso de combustíveis fósseis convencionais

Outro fato é que a produção destes combustíveis sintéticos ainda é muito cara, limitada e impacta fortemente o uso de água (combustíveis sintéticos, ou e-combustíveis, são feitos com hidrogênio e dióxido de carbono capturados da atmosfera). Para obter um litro desse tipo de produto, é preciso cerca de dois litros de água, com o custo final atual em cerca de 10 euros por litro.

Um relatório feito pelo Fraunhofer Institute for Systems and Innovation Research (ISI) cita a disponibilidade como um obstáculo significativo e estimam que os combustíveis eletrônicos sejam escassos e caros no futuro previsível, já que a produção global de eletricidade renovável teria que quase dobrar em comparação com os níveis atuais para atingir a meta de 10% de hidrogênio verde e combustíveis sintéticos até 2050.

Alternativas mais baratas, alta demanda de energia para produção e um equilíbrio ambiental questionável são outras razões contra o uso de e-combustíveis para carros e caminhões, de acordo com o relatório.

Os autores do relatório recomendam o uso de e-combustíveis em áreas onde não há outra alternativa para alcançar a neutralidade de gases de efeito estufa, como a indústria química e o transporte aéreo e marítimo internacional, bem como o setor siderúrgico e as refinarias.

O uso de combustíveis eletrônicos no setor de transporte rodoviário também se mostra ineficiente e desnecessário, pois existem alternativas mais baratas de emissão zero. Os combustíveis eletrônicos seriam a opção de conformidade mais cara para fabricantes de veículos, operadoras de transporte e para a sociedade como um todo. Uma análise feita pela Federação Européia  para o Transporte e Meio-ambiente (T&E) mostra que o TCO de caminhões a diesel movidos a combustíveis eletrônicos seria cerca de 50% maior do que o TCO de caminhões elétricos a bateria, mesmo assumindo que esses combustíveis eletrônicos seriam produzidos de forma mais barata no norte da África ou em outras regiões ​​e importados para a Europa.

A maioria dos especialistas europeus em mobilidade não vê um papel para os combustíveis eletrônicos produzidos a partir de fontes renováveis ​​no setor automotivo, porque a tecnologia requer pelo menos cinco vezes mais energia do que usar eletricidade diretamente em carros elétricos a bateria. Isso torna os combustíveis eletrônicos muito caros e ineficientes.

Grandes fornecedores alemães como a Bosch, a ZF e a Mahle são membros da Aliança eFuel, um grupo de empresas que defende o uso dos combustíveis sintéticos. Marcas como a Porsche também são grandes defensoras desta tecnologia. A Porsche detém uma participação no produtor de combustíveis sintéticos HIF Global e é a única compradora do combustível do seu projeto-piloto no Chile e a BMW investiu 11,86 milhões de euros na start-up de combustíveis sintéticos Prometheus Fuels.

Depois do escândalo conhecido como “dieselgate”, que envolveu duas gigantes germânicas do setor automobilístico, diretamente a Volkswagen e indiretamente a Bosch, fornecedora do software de controle de motores para gerenciar sistemas de emissões a diesel, temos agora um novo capítulo da dura disputa entre carbono zero e seus paliativos.

Sair da versão mobile