Ao observamos os planos estratégicos de transporte adotados por várias cidades, percebe-se uma notável semelhança entre as metas de alto nível que elas estabelecem para si mesmas, refletindo suas intenções de triplo resultado: econômico, ambiental e social.
No entanto, o objetivo econômico tem sido tipicamente dominante nas últimas décadas. Transporte público financiado pelo passageiro é um modelo que não se sustenta, pressiona as tarifas (sempre para o alto) e fere o princípio da equidade. A conta nem sempre fecha e, apesar dos subsídios municipais e gratuidades – sempre motivo de queixas por parte dos operadores – a ônus cai no colo do usuário com uma relação custo/benefício duvidosa.
A pandemia enfatizou as disparidades socioeconômicas existentes, que geralmente têm como resultado a segregação espacial e revela que não temos cidades para todos. Apesar do conceito de cidade para todos tenha focos diferentes em lugares diferentes, de forma geral, a equidade que torna as cidades mais justas, pode ser medida nas políticas de inclusão social, com enfoques em igualdade de gênero, acessibilidade, idosos e grupos de risco de exclusão.
E a importância da mobilidade como fator de inclusão social é clara. Valorizamos pequenas economias de tempo para os veículos pessoais, mas não reconhecemos os benefícios potenciais de inclusão social, o valor das viagens que possam garantir que todos os cidadãos sejam capazes de compartilhar os benefícios da vida urbana.
Ao moldar os ambientes urbanos de forma seletiva, em benefício de grupos sociais com acesso a automóveis, e negligenciar os investimentos nos transportes públicos, as cidades forçaram os indivíduos de baixa renda a gastar uma grande parcela de seus orçamentos e de seu tempo com mobilidade, além de sofrerem com o efeito barreira com a abertura de grandes corredores em seus bairros.
Os altos custos do metro quadrado de solo também contribuíram para “empurrar” grande parcela da população para a periferia das cidades, dificultando o acesso aos bens e serviços e aumentando os tempos de deslocamentos entre residência e locais de trabalho, estudo ou lazer.
Do tripé, as metas ambientais são a bola da vez e os investimentos necessários para que as cidades sejam capazes de cumprir as ambiciosas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) geram discussões: quem vai pagar a conta? Há modelos em curso na América Latina que podem servir de parâmetros. A cidade de Santiago do Chile, por exemplo, criou um modelo de negócio que separa a propriedade dos ônibus de sua operação e manutenção.
Um ônibus elétrico, por exemplo, custa o dobro de um veículo movido a diesel e um movido a gás é, em média, 35% mais caro. Uma cidade com São Paulo, que tem uma frota estimada em mais de 11 mil veículos, dá uma idéia da dimensão do problema.
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Porém, para as cidades se transformarem em uma “cidade de todos”, elas deveriam focar em uma política de equidade, que exige planejamento de transporte mais integrado. Metas de sustentabilidade, redução de emissões e preocupação com o meio ambiente são, sem dúvida, de suma importância e é preciso trabalhar duro para atingi-las.
Mas em um país com tantas desigualdades, a prioridade é a inclusão do cidadão em todas as possibilidades de convívio urbano por meio do transporte público. E esta meta social, a última do tripé das metas de alto nível, é a mais próxima de ser alcançada, independente de termos deslocamentos eletrificado, verdes ou não. Ir do ponto A ao ponto B de forma rápida, eficiente e dentro dos limites mínimos de orçamentos familiares apertados já estaria de bom tamanho.