Argumentos em torno do transporte sustentável podem ser simplistas quando se compara, por exemplo, as emissões do escapamento com um veículo elétrico ou bastante complexa, quando se considera todo o caminho da geração de energia atrás de um veículo. Para complicar ainda mais, podemos considerar todo o ciclo de produção – o chamado “do poço à roda”.
De qualquer forma vende-se a ideia de que a eletrificação é a principal forma de reduzir as emissões de transporte. Um veículo elétrico a bateria (BEV) tem zero emissões de escapamento em comparação com os motores de combustão interna.
Se considerarmos de onde vem a energia dos BEVs, as coisas ficam um pouco mais complicadas. As emissões da geração de eletricidade variam muito entre os países e mesmo dentro dos países, dependendo do balanço de energia fóssil, renovável e nuclear utilizada pelas respectivas redes nacionais. No entanto, mesmo com uma “rede suja”, um veículo elétrico produz menos CO2 do que um híbrido.
Se formos levar em consideração as emissões da geração de eletricidade, também precisamos considerar a eletricidade e a poluição causada durante a produção e refino de combustíveis fósseis.
Quanto ao ciclo produtivo, qualquer fabricante de BEVs tem que admitir que fabricar seus veículos cria mais poluição inicial do que para os de combustão interna, principalmente devido à bateria, ainda que, se olharmos para as emissões totais do ciclo de vida de forma mais geral, os BEVs causem emissões de vida útil mais baixas do que veículos de combustão interna.
Agora, se formos passar um pente fino nas cadeias de suprimentos dos veículos, então a complexidade se torna imensurável. Como o aço em cada parafuso foi fundido? De onde vieram todos os plásticos? Existem produtos de origem animal utilizados? De onde foram obtidos todos os minerais das baterias do BEV e como foram extraídos? Este não é apenas um esforço retrospectivo para contabilizar a pegada de carbono total, mas também será essencial saber no final da vida útil de um veículo, para que possa ser decomposto e reciclado de forma mais inteligente. O sonho de longo prazo é uma economia circular, onde a grande maioria dos materiais acaba sendo usada novamente em produtos recém fabricados.
Assim como precisamos descarbonizar toda a cadeia de suprimentos para transformar o transporte sustentável, a ética dessa cadeia de suprimentos também precisa ser considerada. A eletrificação pode ser uma peça desse quebra-cabeça, ou fator de desequilíbrio.
O cobalto utilizado nas baterias, por exemplo, é, em grande parte, extraído de minas africanas – mais da metade das reservas mundiais deste metal raro estão concentradas na República Democrática do Congo, responsável pelo fornecimento de quase 2/3 do consumo global. Acontece que a extração deste componente fundamental para o funcionamento das baterias não ocorre dentro das melhores práticas trabalhistas. Pelo contrário, são pessoas trabalhando em péssimas condições e com intenso uso de mão de obra infantil, manchando desta maneira, a tão propagada reputação da sustentabilidade dos veículos elétricos.
Além da eletrificação, há muito que pode ser feito para tornar cada componente usado na fabricação de um veículo o mais sustentável possível. O uso de materiais recicláveis para fabricar peças de acabamento, como tapetes, ou componentes feitos a partir de garrafas plásticas recicladas, com todo um ecossistema para recolhê-las após o uso e depois produzir novas matérias-primas plásticas a partir delas. Alguns fabricantes pararam de usar couro, embora alguns consumidores não tenham gostado.
Esses são apenas alguns exemplos de como as empresas estão percebendo que toda a cadeia de suprimentos precisa se tornar descarbonizada, sustentável e baseada o máximo possível em materiais secundários. É muito provável que isso se torne uma grande indústria nos próximos anos.
A chave do sucesso para transformar o transporte sustentável será o conhecimento centralizado das cadeias de suprimentos, incluindo de onde vêm os materiais dos componentes, o que são, como foram feitos e quanta energia foi usada em sua fabricação. No entanto, isso exigirá uma grande adesão de fornecedores e fabricantes, que precisarão inserir as informações ou trabalhar para tornar seus bancos de dados de materiais existentes compatíveis. Não será uma tarefa fácil, mas será um passo essencial para a circularidade. Saber quais componentes foram usados em um veículo que chegou ao fim de sua vida útil facilitará a reciclagem desses componentes, seja pelo reuso direto ou pela reciclagem dos materiais.